terça-feira, abril 13, 2010

A MORTE DE MASON


A MORTE DE MASON E A QUEDA DO
AVIÃO MILITAR DO VOO 2068
(NA SERRA DO CACHIMBO)



Vista da Serra do Cachimbo

A Base Aérea da Serra do Cachimbo ficou muito conhecida após o trágico acidente com o Boeing da Gol, que caiu em suas proximidades e foi onde o jatinho (que bateu no avião) pousou após o acidente. O que poucos sabem é que foram homens comandados pelos irmãos Vilas-Boas que chegaram ali e fizeram a primeira pista de pouso logo após a época da Expedição Roncador-Xingu, dando orígem à Base Aérea do Cachimbo (Campo de Provas Brigadeiro Velloso). Menos conhecidas ainda são as histórias trágicas que envolvem o local em seu passado. Dois acontecimentos marcaram o Cachimbo. Primeiro a morte de Mason por índios desconhecidos da serra. Mason e dois colegas de Oxford planejaram uma expedição nas selvas brasileiras. Queriam descobrir as cabeceiras do rio Iriri, que aliás não eram desconhecidas e com isso pediram a ajuda dos irmãos Villas-Boas. A intenção era partir do Xingu. Como o roteiro era altamente perigoso, os irmãos Villas-Boas não concordaram com a aventura. Eles sabiam dos índios arredios e hostis que forçosamente encontrariam no roteiro. Voltaram para o Rio de Janeiro, de onde, com a FAB, conseguiram ir para a base do Cachimbo, já que não foi possível sair do Xingu. Telefonaram de Cuiabá falando da solução vitoriosa. Disseram que sairiam do Cachimbo e deram o rumo a seguir. Orlando Villas-Boas chegou a recomendar cautela e chegou a preconizar aquilo que veio a acontecer. Foram avisados que no oitavo dia estariam em área indígena e que dificilmente passariam despercebidos. No nono dia Mason foi morto.

O segundo acontecimento, em junho de 1967, foi a iniciativa dos índios de tentar um contato amistoso com a base. Vinham pelo meio do campo homens, mulheres e crianças trazendo peixe assado como presente. Um soldado viu e assustado deu o alarme de que a base estava sendo atacada por índios. O radioperador transmitiu a notícia a um avião que estava aterrissando. O piloto arremeteu e num voo rasante amedrontou ainda mais os índios. Um "valente" militar da base disparou uma metralhadora. Os índios, esbaforidos, fugiram, deixando aquilo que haviam trazido como presente: peixe assado, flechas amarradas e outros artefatos. Com a insistência da notícia de que a base estava sendo ameaçada, foi providenciada uma aeronave com militares para conter o "assalto". O C-47 da FAB com a tropa a bordo caiu nas imediações da base. Os homens escalados para a missão de emergência se apresentaram no capo da 1ª Zona Aérea, em Belém. O avião decolou às 14 horas e 10 minutos com destino a Cachimbo, com parada para Jacareacanga (outra base aberta pelos irmãs Villas-Boas). Pouco antes da escala, o radiotelegrafista percebeu que um dos dois goniômetros (parte do radiocompasso, sistema que orienta a rota do avião) estava falhando. Ainda assim conseguiram pousar às 18 horas. Como o grupo teria de chegar a Cachimbo à noite, tentou-se trocar o instrumento com o de outra aeronave - mas o comandante desta recusou o trato, pois havia oficiais de alta patente a bordo.


Vista aérea da Base do Cachimbo nos tempos atuais.

Devido à escassez de elementos de orientação, voos noturnos sobre a Amazônia com bimotores eram proibidos à época. Por esse motivo, o comandante da aeronave consultou o quartel general em Belém, para saber se eles poderiam prosseguir no amanhecer do dia seguinte. Os responsáveis, cujos nomes continuam desconhecidos, ordenaram que o avião prosseguisse à noite, apesar do evidente perigo. Logo, o Comandante anunciou o plano de voo: "Aeronave FAB C-47 2068 do 1°/2° Grupo de Aviação, com decolagem prevista para as 21h 15, saindo de Jacareacanga com destino a Cachimbo, com uma velocidade de 270 km/h, no nivel de 7 mil pés de altitude, na aerovia G-6, tempo de voo estimado em 1 hora e 40 minutos, combustível para 8 horas de voo, em missão militar, com 25 pessoas a bordo". Após 1h20 de voo normal, houve uma pane total no radiocompasso - pois o outro goniômetro também quebrou -, e eles se perderam. estava tudo escuro e o único meio de orientação era a carta de navegação. Mais de 3 horas de voo se passaram, de meia-noite, e nada. O radiotelegrafista chegou a pedir, via rádio, que o destacamento de cachimbo acendesse uma fogueira, para ver se o encontrava. Mas o comandante resolveu voltar para Jacareacanga: solicitou à base de lá que mandasse outro avião, o 2086, sobrevoar a pista, para que ele pudesse ver suas luzes e assim se orientar. Seu pedido foi atendido, e por duas horas a aeronave ficou voando em círculos. Não adiantou. Então, às 2h30 do dia 16 de junho, o comandante decidiu se dirigir para Manaus, no Amazonas. O radiotelegrafista Godinho passava as informações de voo para as bases de Jacareacanga e cachimbo, mas eles não conseguiram captar o retorno das mensagens porque a bateria do 2068 também estava em pane. O Comandante Capitão Aviador Newton Nogueira de Almeida, veterano de 3.000 horas de voo sobre a selva, estava banhado de suor. Vivia o pesadelo que há tanto temia. Ventos contrários haviam-no arrastado para muito longe de sua rota. Depois de procurar inutilmente uma pista de pouso de emergência dentro da escuridão de breu, seguia uma direção que poderia levá-lo ao Aeroporto de Ponta Pelada, em Manaus. Mas isso exigiria um milagre: o seu indicador de combustível estava em zero. As manetes já estavam abertas ao máximo, mas o Comandante Nogueira de Almeida empurrou-as ainda mais. Talvez pudesse assim arrancar um ou dois quilômetros. Sabia que eram muito pequenas as probabilidades de sobreviver a uma queda e as esperanças de socorro para algum sobrevivente seriam ainda mais remotas. A densa folhagem da selva amazônica se fecharia sobre o velho C-47 como as ondas sobre uma pedra jogada no mar. O Sargento Raimundo Godinho, seu operador de rádio, chamava estações na negra terra embaixo, e a voz de Manaus, tantalicamente próxima e forte, dizia que os relâmpagos de uma tempestade ao sul da cidade, poderiam dar-lhes uma referência para se orientarem. Mas eles não podiam ver absolutamente nada. Era como se o para-brisa estivesse coberto por um veludo preto. Na cabine do C-47, o Tenente Luiz Velly, perito em sobrevivência na selva, estava sentado em rígido silêncio e pensava com azedume no insucesso da sua missão. Tinha embarcado com os seus soldados naquele avião rumo ao posto de Cachimbo, no Estado do Pará, que temia um ataque de índios de uma tribo desconhecida. O Capitão Médico Paulo Fernandes, ao seu lado, correu os olhos pelos homens que estavam na cabine. Ivan de Brito, de 17 anos, dormia tranqüilamente, com um mosquetão nas mãos. O médico levou ao rosto as mãos em concha e procurou olhar pela vigia.


Douglas C-47

Exceto a chama azul do cano de descarga do motor, nada havia para ver. Lá pelas 4 horas da manhã, encontraram um rio. Quando o piloto abriu a carta de navegação para tentar identificá-lo, ela foi sugada pela janela. Diante da proximidade do fim do combustível, a solução foi aliviar a carga: todo o armamento foi jogado para fora, com exceção de uma metralhadora ponto 30, cujo tripé não passou pela porta. O Terceiro Sargento Gilberto Barbosa de Souza abriu a grande porta do C-47 e os soldados se aproximaram para jogar fora as armas, caixas de munição, tudo o que pudesse tornar-se um projétil naquela queda que se aproximava. Numa correria de preparativos de última hora, o Tenente Velly e o médico, ajudados pelos soldados da tripulação, encheram as duas bolsas salva-vidas e arrumaram travesseiros e cobertores em torno dos pilotos para protegê-los do impacto da queda. Violentas vibrações sacudiram o avião e os motores começaram a ratear. Pouco antes do amanhecer, o operador de rádio, Sargento Godinho, transmitiu a sua última mensagem: “COLEGAS, INFORMO QUE O 2068 VAI POUSAR. ESTAMOS VOANDO SEM CONDIÇÕES. ESTAMOS CAINDO !!!”. Os passageiros da frente inflaram um bote para fazer as vezes de air bag. Os ponteiros de seu relógio marcavam 04:30 horas. De repente, chegou a ordem: PREPARAR PARA UM POUSO FORÇADO. O avião caiu nas árvores, a asa esquerda enroscou numa delas e a parte traseira foi impulsionada para a frente, girando 180 graus. Quem pode pulou fora. A aeronave se partiu ao meio, pegou fogo e 18 pessoas morreram na hora.

Nem os ocupantes do avião condenado, nem o pessoal de terra que vinha acompanhando pelo rádio o desenrolar da tragédia, podiam apontar ou imaginar o local do desastre. Virtualmente. A última esperança era que algum dos moradores esparsos da região, descobrisse o avião sinistrado e achasse um meio de dar notícias dele. E as probabilidades eram mínimas. Logo que o céu clareou, quatro pequenos aviões levantaram voo do Aeroporto de Ponta Pelada para as povoações do vasto sistema fluvial do Amazonas, em busca de indícios entre seringueiros e pescadores que andam pela área. Ao mesmo tempo, o Major Wilson Silva Cardoso, coordenador do grupo de busca e salvamento (SAR), em Belém, estabelecia um subcentro de salvamento no segundo andar do prédio do Aeroporto de Manaus. 




O Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Márcio de Souza Melo, estava mandando reforços – aviões, helicópteros, anfíbios de todo o país. A busca do 2068, que recebeu o nome de código “OPERAÇÃO PENTE-FINO”, veio a ser a maior operação de salvamento da história da aviação mundial - A selva engole as suas vítimas, ou mata-as em pouco tempo, murmurou um guia da selva aos visitantes que enchiam a sala de espera do aeroporto. – Mas há uma exceção – replicou um missionário, e a Aeronáutica vai fazer dessa busca um sucesso. A Aeronáutica estava fazendo tudo o que era possível. Nos dias que se seguiram, 44 aviões levantavam voo de Ponta Pelada ao amanhecer, ao clarear do dia e voltavam ao por do sol. 

Todas as noites o Major Cardoso marcava o seu mapa com alfinetes de cor para assinalar os pontos onde se procurara em vão. Lá fora na pista, pará-quedistas nos seus folgados macacões cor de abóbora, esperavam impacientemente a hora de agir, mas onde? O Capitão Roberto GUARANYS, o mais popular pára-quedista do PARASAR, que se distinguia tanto pelo seu humor quanto pela sua bravura, corria de um avião para outro, inspecionando os homens e equipamentos. Havia quatro serras a motor, explosivos e cada homem levava luvas especiais para evitar infecções se fosse preciso remover cadáveres. 


Painel do C-47

Por fim, chegaram um dia, notícias eletrizantes pelo rádio da polícia. Era uma mensagem de um habitante da selva, um caboclo, que afirmava ter ouvido um avião caindo em algum lugar perto da sua palhoça. Logo depois dessa mensagem, surgiu uma pista mais emocionante: dois aviões da Força Aérea que voavam debaixo de aguaceiros nos arredores da cidadezinha de Tefé, haviam colhido o que pareciam sinais na faixa de emergência do rádio de 500 quilociclos. Sinais, se eram isso mesmo, significavam sobreviventes. O Major Cardoso e todo o seu pessoal, seguidos por um verdadeiro enxame de repórteres, viajaram imediatamente mais de 500 km Amazonas acima para Tefé. Os sinais de rádio tinham sumido, mas a FAB não ia desistir. Estava empenhada num combate com sua velha inimiga a selva E não poderia abandonar qualquer do seus homens que ainda pudesse ser salvo . 

Todo o Brasil acompanhava a busca com fervoroso interesse. Quando o 2068 caiu, ao mergulhar através dos 55 metros de árvores e cipós até ao chão da mata, a fuselagem se quebrou em três partes. Voaram corpos para toda parte. Alguns homens ficaram presos na parte central, que se incendiou e fez explodir munições que tinham sido esquecidas quando lançadas fora a carga. Durante essa cerrada fuzilaria, o Sargento Barbosa – atordoado, sangrando pelo corpo todo e com a perna esquerda quebrada – jogou-se para fora e conseguiu de algum modo, rolar e rastejar até uma distância fora de perigo. Sem gasolina para alimentá-lo, o fogo em breve se apagou. Seguiu-se um silêncio completo. Durante mais de 24 horas, Barbosa receou ser o único sobrevivente. Mais seis homens, porém haviam escapado do desastre: o Capitão Fernandes, o Segundo Sargento Botelho, o Cabo Geraldo Calderara, o Cabo Nelson da Silva Barros e o jovem Soldado Brito. Os sete sofreram fraturas, ferimentos e queimaduras e para eles a manhã de sexta-feira, 16 de junho, trouxe um tormento tão terrível, que ameaçou de loucura os mais fortes. Num estado de choque demasiado profundo para poderem mover-se ou afugentar os mosquitos vorazes, ficaram estendidos em agonia durante toda a sexta-feira e todo o sábado, sem comida e água. “As duas horas da madrugada de domingo, 18 de junho, fomos acordados pelo Dr. Paulo e pelo Tenente Velly, pedindo água”, anotou o Sargento Barbosa no diário que se forçou a escrever, na esperança de que isso tivesse alguma utilidade em futuras operações de salvamento. “As seis horas, o Cabo Silva Barroso conseguiu ir andando até um riacho a 50 metros de distância e trazer água para os dois Oficiais e para o Cabo Calderaro. À tarde, improvisei umas muletas e fui fazer uma visita aos feridos. Encontrei o Cabo Calderaro morto. Imobilizei a perna quebrada do Dr. Paulo. Queira Deus que não acordemos amanhã com outro morto”. 

Na segunda-feira, as coisas melhoraram um pouco. Barbosa se lembrou de que o piloto morto sempre levava rações de emergência e o soldado Brito, apesar de lesões na cabeça e na perna esquerda, quase cortada à altura do joelho, conseguiu sair da cauda do avião e entrar na cabine. Encontrou ali várias latas de salsichas e outros víveres danificados pelo fogo. Estabeleceu-se uma ração de uma salsicha por dia para cada um. No mesmo dia, Barbosa e Barros removeram alguns corpos na cabine principal e encontraram o transmissor de rádio de emergência. Na terça-feira, à custa de muito sacrifício, estenderam a antena entre as árvores e, depois disso, todos os dias, quando se sentiam com forças para isso, manipulavam sinais de SOS com intervalos. “São seis horas”, escreveu Barbosa à tardinha de terça-feira, “e ainda não apareceu nenhum avião para nos socorrer. Nada voa por cima de nós a não ser os urubus. Deus permita que voltemos para nossas famílias e para junto de nossos amigos”. 


A equipe de resgate

O local do desastre era perto do equador e violentos aguaceiros faziam de tudo um lamaçal. Mortos e vivos estavam enlameados a ponto de serem quase irreconhecíveis. “Alcançamos hoje uma grande vitória”, escreveu Barbosa no dia seguinte. “conseguimos levar o Dr. Paulo e o Tenente Velly para a cauda do avião. (Barbosa, com sua perna dilacerada e quebrada, havia rastejado 20 metros duas vezes, através da lama e dos espinhos, levando um Oficial às costas). Desde a sexta-feira passada, os dois estavam do lado de fora expostos à chuva. A perna esquerda do Dr. Paulo está quebrada e o braço e a perna direita estão muito inflamados. O Tenente Velly está com a bacia fraturada. À tarde, o velho Botelho fez uma sopa de aveia queimada. Ó Deus, ouve as nossas preces! Na quinta-feira, os urubus, que tinham estado vigilantes, voando em círculos no alto, desceram impetuosamente na clareira. Apesar dos gritos dos sobreviventes, entregaram-se calmamente à sua tarefa macabra. Cheio de raiva e repugnância, Barbosa puxou da pistola e fez pontaria contra o urubu mais próximo. Felizmente, no instante em que começava apertar o gatilho, compreendeu a sua loucura – afugentaria as aves com um tiro uma vez só e, se atirasse prematuramente, poderia jogar fora a única possibilidade que tinham de salvação. Teria de poupar suas balas até que pudesse com elas, forçar os urubus, cuja presença assinala a morte, anunciarem a presença de vida. Com as mãos trêmulas, repôs a pistola na capa. “Sexta-feira, 23 de junho. Só pela graça de Deus ainda estamos vivos. A noite passada foi péssima. A chuva está pesada, com trovões e relâmpagos muito fortes. Não podemos fazer uma fogueira, pois só nos restam dois palitos de fósforos e não podemos arriscá-los com tudo assim molhado. “Choveu no sábado e no domingo, mas o moral dos sobreviventes foi mantido pelo barulho intermitente de aviões distantes. 

Os exploradores pareciam estar se aproximando. Barbosa e Barros continuam a rodar a manivela do radiotransmissor de emergência. Chegaram até a rir todos quando Barros, olhando para o rosto sujo e enfaixado do jovem Brito, disse: “Puxa, soldado, como você está feio”! “Segunda-feira, 26 de junho. Um belo amanhecer hoje. O sol já está alto e o céu totalmente claro. Todas as nossas esperanças estão no dia de hoje”. Por volta das 10:30 horas daquela manhã, ouviram de novo o barulho de motores. O avião estava longe, mas aproximava-se. Barbosa puxou a pistola, fazendo o cálculo da velocidade e do rumo. Se atirasse muito cedo ou muito tarde, o avião poderia passar sem perceber coisa alguma. E isso, fora de dúvida, seria o fim. Foi um minuto angustioso. Os outros pararam quase de respirar à espera de que o Sargento Barbosa agisse. De repente, pareceu aos ouvidos dos apurados que o som dos motores estava declinando e, puxou o gatilho. A explosão alarmou os urubus, que se elevaram pesadamente. Pareciam repletos demais para voar, mas Barbosa atirou de novo e mais uma vez, até que o pente da pistola ficasse vazio. A ruidosa fuzilaria foi suficiente e os urubus subiram numa desordenada espiral acima da selva. 

O Major Sergio Fávero, que pilotava um avião de busca a várias centenas de metros de distância, viu os urubus emergirem das copas entrelaçadas das árvores e gritou jubilosamente que o local do desastre estava perto. Fazendo uma curva fechada, tomou a direção do local. Através de galhos quebrados, um de seus homens viu de relance uma asa de avião no chão da selva e pronunciou pelo microfone que tinha ao peito, a mensagem que todo o país e o mundo havia tanto esperava: “ENCONTRADO O AVIÃO. POSIÇÃO APROXIMADAMENTE OESTE 66, SUL 0215”. “ Um avião Albatroz passou por cima de nós “. Escreveu Barbosa. “Depois tornou a passar. Estávamos todos gritando de animação. Agora à tarde, passam por cima de nós um C-130 e um B-17. Temos certeza agora de que Deus ouviu as nossas preces. Às 05:35horas, um Catalina aparece sobre a nossa posição...” Mas a morte não nos deixou. O Cabo Barros, cuja coragem se igualou à do Sargento Barbosa durante a tragédia, respira desde vários dias, com uma dificuldade cada vez maior. Na manhã seguinte, enquanto esperavam o socorro, Barros pediu a Barbosa que o abanasse – não podia tomar fôlego e tinha os dentes cerrados. “Tentei abrir-lhes a boca mas não pude, não tinha forças”, escreveu o Sargento Barbosa. “Barros morreu às onze e meia... Rezamos pelo nosso herói pois foi ele quem nos abasteceu de água durante todo o tempo...” Dez minutos depois, um helicóptero de socorro apareceu sobre a clareira. “Estão tentando pousar, mas infelizmente é impossível... Choramos de alegria. Foram-se embora, mas nos fizeram sinais para que tivéssemos calma. Entre as duas e as três da tarde, voltaram. Que alegria, meus Deus! O primeiro homem vai descendo (por uma corda do helicóptero que pairava no alto) para socorrer-nos... É o Capitão Guaranys! Nós sabíamos, bom Deus, que a FAB nunca nos abandonaria”. Jamais esquecemos a cena – disse depois o Capitão Guaranys – Mal eu havia tocado em terra, vi aquele homem barbado, enlameado, quase sem poder ficar em pé nas toscas muletas. “Sargento Barbosa, Capitão, mecânico de vôo”, disse ele, fazendo uma desajeitada continência. Foi a coisa mais comovente que já vi, declarou Guaranys. Mas a “Operação “Pente-Fino” ainda seria cheia de frustações. Não havia nenhum espaço aberto suficientemente grande para o helicóptero, numa centena de quilômetros, e, assim, enquanto a chocalhante máquina se balançava e sacudia no alto, um médico e enfermeiros desceram como Guaranys, por 60 metros de corda. O helicóptero se dirigiu para baixo de Tefé e voltou com víveres e equipamentos. Mas, depois de dois dias de árduos esforços sob a chuva para abater as árvores, o espaço livre era ainda muito pequeno para que se pudesse arriscar o pouso do helicóptero. 

Por fim, as duas e meia da tarde de 29 de junho, o helicóptero voltou com um possante guincho novo, vindo dos Estados Unidos, para aquela operação. O Capitão Paulo, o mais grave de todos, foi deitado numa maca e içado. Em seguida, foi a vez do Tenente Velly. Os outros foram içados um de cada vez, por meio de coletes de salvamento, usados pelo PARASAR. A seu pedido, o último a deixar a selva foi o Sargento Barbosa.

Os mortos foram levados depois e enterrados com honras militares em Belém do Pará, com a presença de milhares de pessoas. O Sargento Barbosa e sua mulher, resolveram transformar a profunda e eterna gratidão que sentiam pelo salvamento, num instrumento para o bem. Editores do mundo inteiro estavam competindo pelos direitos de publicação de seu precioso diário e ele foi um bom negociante. Recebeu cinco mil cruzeiros novos pelo diário, mas, embora a quantia fosse o equivalente a um ano de vencimentos, o jovem casal não ficou com um só centavo. Deram tudo às viúvas e aos filhos dos companheiros mortos. Coube ao Presidente da República Arthur da Costa e Silva, situar a tragédia e a vitória do avião 2068 da Força Aérea Brasileira: “O resgate dos sobreviventes do avião 2068 transcende a história e a atmosfera da Força Aérea Brasileira, impregnados do espírito heróico de nossa juventude, para sugerir-nos um símbolo de bravura, da energia e da perseverança de todo povo brasileiro, no desbravamento da selva amazônica e na afirmação cada vez mais vigorosa, de nossa soberania , em uma das mais vastas e fabulosas regiões da terra. É um episódio que nos enche de emoção, como seres humanos, e de orgulho, como habitantes deste país”.